O tecelão Manuel Maria regressou a casa cerca das seis e meia, bem disposto. Lá na fábrica do Gíria havia bastante trabalho; tinha acabado de instalar no tear uma teia com um fio bom, que lhe ia permitir conseguir durante algumas semanas, fazer uma «féria» semanal razoável, ao apresentar ao empregado da fabricação no momento de «dar o ponto», um total de passagens elevado - desde que o tear não resolvesse avariar ou partir alguma peça,... «o diabo seja cego, surdo e mudo!!!»; como o pagamento era feito pelo total semanal das passagens de «lançadeira» sobre a «teia» e de acordo com a tabela do Grémio estabelecida para o «preço por passagem», poderia conseguir uns bons valores de remuneração semanal e aproveitar para fazer umas compras lá para casa, que vinha adiando ultimamente.
O Mestre lá da fábrica, até lhe tinha pedido para ele ver se, ali pela vizinhança haveria alguma «metedeira de fios» que trabalhasse em casa, para passar a «cerzir» também as peças de fazenda da Fábrica Gíria, para tentarem entregar dentro do prazo, as encomendas. Se as coisas lhe continuassem a correr bem e houvesse trabalho, tencionava, quando fosse «a semana do descanso», levar a mulher e o filho visitar o irmão dele que vivia em Lisboa e aí cumprir um desejo de todos: visitar a Feira Popular que fora ali inaugurada nesse ano de 1950.
O rádio da vizinha sintonizado com a Emissora Nacional, tocava alto como era costume; ela mantinha o som assim, porque gostava de cantarolar sobre as canções que conhecia enquanto ia fazendo as tarefas domésticas por toda a casa; a Estação transmitia então o seu programa diário preferido: “Que Quer Ouvir? - discos pedidos pelos senhores radiouvintes”. Para encanto da vizinha, o som que ia para o ar nesse dia, provinha das vozes gravadas de alguns cantores seus predilectos: Rui de Mascarenhas, Maria de Fátima Bravo, Tristão da Silva, Amália, Maria de Lurdes Resende e outros. Gostava menos, porque em língua estrangeira já não podia cantarolar por cima das canções, do Dean Martin, Frank Sinatra ou Ella Fitzgerald que alguns ouvintes pediam. A vizinha do Manuel Maria tinha sido, sem o saber, uma espécie de precursora do karaoke.
Lá por fora tinha tido início a Guerra da Coreia depois de a Coreia do Norte, um país da zona de influência soviética, ter invadido a Coreia do Sul com um regime ligado aos países capitalistas do Ocidente. É o primeiro conflito da »Guerra Fria» O Estados Unidos intervêm imediatamente ao lado dos sul-coreanos, inicialmente por conta própria e logo obtêm a cooperação da ONU que lhes confere um mandato a justificar a intervenção. Esta guerra acabou por se tornar um confronto directo em território coreano entre a República Popular da China e os Estados Unidos. Duraria até Julho de 1953, contabilizando então cerca de 3 milhões e meio de mortes. Tirando esse morticínio, no fim, voltar-se-ia ao ponto zero, continuando a existir as duas Coreias em torno do paralelo 38.º, então uma referência constante nos noticiários internacionais. (PL950I)
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