Quando a indústria dos lanifícios começou a descaracterizar-se, a desligar-se do seu “ethos” próprio, e a caminhar rumo a uma autodestruição anunciada e selectiva, alguns sabiam isso conscientemente. Mas não acharam oportuno, denunciar qualquer existência individual de conflito de interesses, ... porque esse "status" lhes iria abrir o caminho rumo ao monopólio magnificente das suas empresas e à cartelização restrita que hoje se pode observar.
Não seria também necessário ser demasiado optimista, para calcular que os "ignorantes de serviço" espalhados pelos vários centros de decisão e acompanhamento económico aos lanifícios, lhes viessem, sobremaneira pelo facto de terem alguma visão em terra de cegos, a oferecer, mais tarde ou mais cedo, as honrarias e "comendas" devidas pelos "relevantes" serviços empresariais prestados à comunidade.
Para os milhares de trabalhadores têxteis que protagonizaram essa mudança nos tempos, o trabalho nas fábricas - agora geridas por monopólios e cartéis -, passou a ser relativamente descartável. Foi a acção reflexa das políticas económico-industriais seguidas em meados do século XX, (erradas ou certas, consoante os interesses em causa...). Restou-lhes seguir o trajecto dos perdedores e, muitos deles, ainda não fazem ideia da teia de interesses que os desfavoreceu porque, dizem-lhes hoje, os verdadeiros culpados foi o Estado Novo, o condicionamento industrial, a falta de liberdades e de greves e, a sempre presente crise multi-funções.
A visão estratégica e o planeamento a longo prazo, realmente não estavam ao alcance dos então “Fabricantes” de Lanifícios e, por paradoxal que pareça, ainda menos à dos seus organismos de classe, onde pontuavam umas quantas “mentes brilhantes” ornadas com vistosos títulos académicos de universidades estrangeiras. Escreveu-se alguma coisa, falou-se muito e, sobretudo , teorizou-se, mas sempre na óptica tecnocrática dos adeptos das soluções feitas e prontas a servir, enfim, porque, lá fora... bla.bla,bla.
Não se ouviu então qualquer voz que encarasse a possibilidade de alavancar toda uma cultura têxtil da lã já existente (“know how”) nesta cidade-região, transmitida de pais a filhos, nem o reconhecimento da potencial vantagem competitiva que constituía esse “saber adquirido” tradicional. Às “mentes brilhantes” de então, foi necessário uns anos depois, vir um economista. Michael Porter, explicar-lhes, devagarinho, as vantagens competitivas dos “clusters” locais nas economias modernas. Essa mesma realidade que já existia aqui quanto à lã, e apenas necessitada de ser valorizada, modernizada e gerida por forma sustentável.
Claro que muitas micro-empresas dos lanifícios iriam inevitavelmente perder a sua razão de existir pela inexorabilidade das dinâmicas dos mercados; mas, em paralelo, já existia aqui um enorme potencial para a criação de novas pequenas empresas, técnica e economicamente avançadas, assentes em novas tecnologias e saberes. Bastava que as “forças” que gravitavam em torno dos lanifícios, ajudassem o Estado a por em prática politicas de fomento da actividade industrial residente: mas as “políticas certas!”. - e não se limitasse a copiar modelos de catálogo macroeconómico desajustados da especificidade local dos Lanifícios.
Mal amados então pelos tecnocratas, nacionais e locais, que menorizavam quem não exibisse um título académico atrás do nome, foi então ostracizado todo um potencial para a criação de ninhos de novas pequenas empresas de lanifícios, assentes na experiência e competências de residentes com saber adquirido nos cursos têxteis da Escola Industrial Campos Mello, por onde estavam já estavam então a passar, na qualidade de professores-convidados, personalidades do mundo da ciência têxtil do gabarito de um Professor Galcerán Escobet, vindo directamente da Universidade de Tarrassa, e a quem, já depois de ter saído desta cidade-região, o governo espanhol distinguiu com um dos mais elevados graus académicos de Espanha.
Alguns desse técnicos e artistas têxteis saídos da referida escola, sem as condições de capital e incentivos mínimas para tomarem o caminho do empreendedorismo nos lanifícios, eram posteriormente disputados pela grande indústria instalada em torno da lã, e aí retribuídos com remunerações tão elevadas – casos de José Maria Gabriel e Fernando Bidarra e dezenas de outros - que hoje teríamos de ir ao mundo do futebol profissional de alto nível, para encontrar aí valores monetários paralelos.
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