Quando ao meio da manhã daquela quinta-feira de Abril o meu cunhado parou frente ao pequeno escritório, em segunda fila, o seu reluzente Wolkswagem Carocha 1500 e entrou, pressenti logo que andava novidade no ar.
– Ouviste as notícias de hoje?
– Não!
– Então liga o rádio e procura saber, porque houve esta madrugada uma revolução em Lisboa. Não se fala de outra coisa…
– Não!
– Então liga o rádio e procura saber, porque houve esta madrugada uma revolução em Lisboa. Não se fala de outra coisa…
Foi assim o meu primeiro contacto com os acontecimentos militares de 1974. Com o decorrer do dia tentei acompanhar o evoluir do movimento militar. Inicialmente não foi fácil. De imediato, na rádio e na TV só se ouviam figuras envolvidas com o movimento: militares, políticos e gente que aparentando ser do povo a breve trecho se percebeu pelo discurso, serem militantes do Partido Comunista na clandestinidade ou de movimentos radicais de esquerda.
Do outro lado, da parte supostamente vencida neste confronto, não se ouvia qualquer voz; quer porque não estivessem suficientemente informados da situação para emitir qualquer tipo de opinião, quer porque, mais provavelmente, ninguém estava interessado em ouvir o que tinham para dizer e menos ainda, em lhes estender um microfone ou os focar perante uma câmara de televisão. Ouviam-se figuras barbudas, civis e militares, até aí totalmente desconhecidas declamar uns quantos lugares-comuns revolucionários e libertários e pouco depois, outras personagens dizerem outras coisas, quando não o seu contrário. Subitamente pareceu ter descido sobre Portugal um manto ideológico vermelho. Agora toda a gente era (e pretendia fazer passar a ideia que toda a vida o fora) comunista, marxista, leninista, estalinista, maoísta ou anarquista. Na frente deste desprezível vira-casaquismo nacional, alinhavam-se, com raríssimas excepções, a comunicação social de massas e os seus trabalhadores.
Era uma confusão, mas algo começava a tomar forma: realmente ocorrera um pronunciamento militar de esquerda em Lisboa, e o Poder constituído caíra sem oferecer qualquer resistência digna desse nome. Depois, tal como já tinha acontecido noutros momentos da História portuguesa em que há uma tomada de Poder hostil por outro sector político, o resto do país toma tranquilamente conhecimento do facto – não pelo telégrafo – como era habitual, mas através da rádio e da televisão. Instantaneamente a nação mudou de cor política e nada fez para além de acatar e submeter-se à nova autoridade. À noite, frente às câmaras da TV o novo poder mostra a cara: um grupo de militares de alta patente assumem-se como Junta de Salvação Nacional.
A «salvação» anunciada no «lettering» do novo poder, iria dar lugar a uma sucessão de acontecimentos que transformaram o país. Mas não o salvaram, nem pouco mais ou menos, porque o tempo daquele tipo de salvadores já não era aquele, nem aquela era a forma de ajudar um país que na altura, precisava de resolver problemas concretos. Todavia não através destes «salvadores» (e daqueles que na sombra os influenciavam). Estes, da tal quinta-feira de Abril não vinham trazer soluções; vinham agravar os problemas de que eles mesmos já eram uma parte significante.