segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sexo, Sociedade e Memória (2)


O Sexo e a Liguagem dos Tempos

Do vernáculo que se escutava nas conversas no Pelourinho, muita coisa se perdeu com o tempo, substituído, como tantas outras por expressões equivalentes do inglês, actualmente amplamente hegemónico sobretudo entre a juventude. Quer isto dizer, que palavras que hoje se ouvem correntemente na TV – “fuck you” – por exemplo, entravam também nas conversas que se escutavam no Pelourinho,  só que, diga-se em abono da verdade, eram aplicadas mais parcimoniosamente no português falado e sobretudo jamais diante de senhoras ou crianças.

Não pretendo apresentar uma listagem exaustiva das expressões que então se ouviam, mas então ninguém ficava embaraçado se ouvisse dizer que fulano “ia às putas” quase todos os dias; que uma certa prostituta com o nome de guerra de Maria dos Fados, tinha uma forma própria de exigir o pré-pagamento dos seus serviços com uma expressão determinada e taxativa: “dinheiro na mão, cu no chão!”; que alguém referisse um terceiro para dizer que esse tinha apanhado um “esquentamento” (gonorreia – doença sexualmente transmissível) com determinada pessoa ou local; que a rapariga tal “já não tinha os três” (vinténs, que já não era virgem) ou também de que já estava “furada” com o mesmo significado; que certa mulher tinha posto “os palitos” (cornos) ao marido; 

Que uma pobre rapariga vinda do meio rural para a cidade tinha começado a namorar um soldado e que este a convencera a irem para um sítio ermo, onde então apareceram outros homens e a rapariga acabou ser violada por todos como se diria nos nossos dias mas que então se referia de uma forma mais simples e redutora – “apanhou uma geral”

Os preservativos existiam há imenso tempo, mas chamados desta maneira, e geralmente em surdina, só mesmo quando se ia discretamente à farmácia comprá-los. No dia a dia eram simplesmente designados por camisas de Vénus. As relações sexuais entre as pessoas não integravam o disparate e o contra-senso da expressão “fazer amor”, mas referiam-se a “engates” a “pôr-se nela” etc. 

Uma família da Covilhã era conhecida por uma alcunha, remotamente originada, suponho, por um  dito de um(a) sua ancestral, e que assim mesmo se transmitiu aos seus descendentes: eles eram os  Vaquesevenha (ler “vá, que-se-venha!”), como podiam ser os Tavares ou os Martins. O ouvido foi ficando familiarizado com a fonia da palavra, e as pessoas pronunciavam-na, ouvi-a referida em conversas femininas, mas ninguém se apercebia do que estava a pronunciar se a palavra fosse analisada com os seus componentes ortográficos devidamente separados.

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