quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Sexo, Sociedade e Memória (3)


Uma cama cheia de surpresas...

Conheci também de muito perto uma outra situação hilariante, mas esta, tanto quanto sei, não passou pelo “falatório” em torno do Pelourinho, porque no interesse dos envolvidos e para evitar o escândalo, a história foi discretamente abafada e as vizinhas “linguarudas” nunca souberam o desfecho, ficando a supor que tudo se tinha solucionado através de uma concertação interna entre os protagonistas, o que realmente aconteceu. Que aconteceu?

Num prédio antigo da Covilhã, de  três pisos, um casal ocupava o rés-do-chão e um outro casal os dois andares de cima. A certa altura estabeleceu-se intimidade sexual entre a mulher que vivia no andar de baixo e o vizinho de cima. Este vizinho, era uma pessoa com um hábito invulgar; aproveitava todos os momentos que estava em casa após a saída do trabalho, para se meter na cama alegando cansaço físico. Era ali que a esposa, que se mantinha normalmente na cozinha, no piso superior ocupada com as lides domésticas, lhe levava as refeições. O hábito foi sendo consagrado pelo tempo e ninguém, que eventualmente lá fosse a casa, estranhava encontrar o nosso homem na cama.

Com alguma imaginação ele e a vizinha que andava a “comer” começaram a aproveitar-se disso. Então, ela subia sorrateiramente as escadas interiores que levavam do piso térreo ao primeiro andar e… enfiava-se na cama do nosso homem. Quando, por qualquer razão, a esposa descia da cozinha e vinha ao andar intermédio onde se situava o quarto do casal, numa altura em que a vizinha de baixo se encontrava lá dentro da cama, esta encolhia-se o mais que podia dentro dos lençóis, procurando fazer o menor vulto possível para passar despercebida, o que deve ter sucedido vezes sem conta.
 
Não sei quanto tempo durou a situação, mas esta alterou-se radicalmente quando algumas vizinhas mais dadas a mexericos e suspeições começaram a murmurar entre elas, e esse murmúrio chegou aos ouvidos da esposa do nosso homem cansado e acamado a tempo inteiro, por vontade própria

Um dia, há sempre um dia, a senhora, com os ouvidos cheios pelas tais vizinhas e pelas suas recomendações e recados para que “abrisse os olhos” para a realidade do que se estava a passar na sua casa (e, digo eu, na sua cama), desceu ostensivamente da sua cozinha e veio ao quarto do marido a pretexto de lhe perguntar qualquer coisa, mas então já com “mil olhos” para os relevos da cama. Algo deve ter visto porque, de sopetão puxou a roupa da cama toda para trás e lá dentro, muito aninhadinha e supostamente seminua, estava a vizinha de baixo. 

A história acaba aqui porque eu não sei mais pormenores, mas ao que julgo, o nosso homem cansado e voluntariamente acamado o tempo todo, depois de ouvir da esposa e da família aquilo que só poderemos imaginar, passou a ter uma vida mais activa e saudável, saindo de casa com a frequência que é normal nas pessoas que não têm um antro secreto dentro da própria cama conjugal.  

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sexo, Sociedade e Memória (2)


O Sexo e a Liguagem dos Tempos

Do vernáculo que se escutava nas conversas no Pelourinho, muita coisa se perdeu com o tempo, substituído, como tantas outras por expressões equivalentes do inglês, actualmente amplamente hegemónico sobretudo entre a juventude. Quer isto dizer, que palavras que hoje se ouvem correntemente na TV – “fuck you” – por exemplo, entravam também nas conversas que se escutavam no Pelourinho,  só que, diga-se em abono da verdade, eram aplicadas mais parcimoniosamente no português falado e sobretudo jamais diante de senhoras ou crianças.

Não pretendo apresentar uma listagem exaustiva das expressões que então se ouviam, mas então ninguém ficava embaraçado se ouvisse dizer que fulano “ia às putas” quase todos os dias; que uma certa prostituta com o nome de guerra de Maria dos Fados, tinha uma forma própria de exigir o pré-pagamento dos seus serviços com uma expressão determinada e taxativa: “dinheiro na mão, cu no chão!”; que alguém referisse um terceiro para dizer que esse tinha apanhado um “esquentamento” (gonorreia – doença sexualmente transmissível) com determinada pessoa ou local; que a rapariga tal “já não tinha os três” (vinténs, que já não era virgem) ou também de que já estava “furada” com o mesmo significado; que certa mulher tinha posto “os palitos” (cornos) ao marido; 

Que uma pobre rapariga vinda do meio rural para a cidade tinha começado a namorar um soldado e que este a convencera a irem para um sítio ermo, onde então apareceram outros homens e a rapariga acabou ser violada por todos como se diria nos nossos dias mas que então se referia de uma forma mais simples e redutora – “apanhou uma geral”

Os preservativos existiam há imenso tempo, mas chamados desta maneira, e geralmente em surdina, só mesmo quando se ia discretamente à farmácia comprá-los. No dia a dia eram simplesmente designados por camisas de Vénus. As relações sexuais entre as pessoas não integravam o disparate e o contra-senso da expressão “fazer amor”, mas referiam-se a “engates” a “pôr-se nela” etc. 

Uma família da Covilhã era conhecida por uma alcunha, remotamente originada, suponho, por um  dito de um(a) sua ancestral, e que assim mesmo se transmitiu aos seus descendentes: eles eram os  Vaquesevenha (ler “vá, que-se-venha!”), como podiam ser os Tavares ou os Martins. O ouvido foi ficando familiarizado com a fonia da palavra, e as pessoas pronunciavam-na, ouvi-a referida em conversas femininas, mas ninguém se apercebia do que estava a pronunciar se a palavra fosse analisada com os seus componentes ortográficos devidamente separados.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Sexo, Sociedade e Memória (1)

Não ma magoem lá muito, porque ela tem andado adoentada!

Pelo Pelourinho, mais cedo ou mais tarde, acabava por passar toda a gente que vivia ou vinha à Covilhã. Centro privilegiado de cavaqueira, aqui falava-se de tudo. Como não seria de estranhar, entre muitos outros relatos de acontecimentos locais, as histórias picarescas que corriam no “boca-em-boca” da cidade, ali iam parar. Uma vez que a esmagadora maioria dos participantes nas conversas eram homens, a linguagem utilizada continha o “vernáculo” nacional e ainda algum caracteristicamente local. Essa linguagem é em si um património local, que até hoje ninguém se ocupou em fazer recolha. É assim como uma espécie de “folclore da linguagem” covilhanense, anos 50/60.


No poste “Sapato Apertado Não”, http://tinyurl.com/3xsrvjb ,tive ocasião de recordar uma dessas histórias que, com a reserva de factualidade que se tem de atribuir a tudo o que vem da fonte do “ouvi dizer…” correu a cidade: o famoso “39 ou 40”. Mas há outras do género, que chegaram até mim nesses anos do meio do século…

Havia um casal (gente modesta, operários têxteis ambos), em que a mulher – que acabou por ter o nome de guerra de “A Chatice”, porque repetia o termo recorrentemente e a despropósito - procurava ganhar uns dinheiritos extra oferecendo o corpo a uns quantos senhores, (…tudo gente do maior respeito, garantia ela às vizinha que sabiam do negócio).

A originalidade está no processo utilizado. Os tais senhores e, já agora também os amigos dos senhores e por fim os amigos dos amigos – passavam de automóvel na rua onde a dama vivia a uma determinada hora previamente combinada, através de uma espécie de “angariadora” – vulgo, alcoviteira, que recebia uma determinada quantia como se compreende. Tocavam a buzina e a senhora vinha. Mas, sempre acompanhada do marido, que a conduzia até ao carro, assim como quem vai fazer um reconhecimento do “ambiente” e das pessoas (geralmente era mais do que uma) que iam participar na operação. Então ela entrava para a viatura (que por vezes até era um táxi), partiam e o marido voltava para casa.

Umas pessoas que eu conheci, utilizaram estes “serviço” através de “marcação” prévia com a alcoviteira. O casal lá se aproximou do carro, olhou as pessoas, ela entrou e antes de o automóvel partir rumo a um paraíso algures num local ermo, o homem olha os ocupantes de frente e com m ar compungido faz-lhes um pedido: - “Olhem, por favor não ma magoem lá muito, porque ela tem andado adoentada!”