segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A Avaria do Carro do Senhor de Chapéu à Diplomata.


Com cara de poucos amigos, atravessa a Praça do Pelourinho um cidadão da Covilhã, Ariel da Silva Melo e Castro de seu nome. Dirige-se à esquadra da Polícia para apresentar queixa, contra um seu vizinho, Manuel Infante a quem acusa de lhe ter furtado uma galinha e um galo 

duma capoeira que o queixoso possui no quintal. Baseia a sua suspeita no facto de aquele vizinho ter, no dia seguinte, convidado uns amigos para um lanche onde apresentou canja de galinha. A data registada na queixa pela polícia, referia um dia do mês de Fevereiro do ano 1952.

Pelo Pelourinho ouviam-se ecos de conversas onde imperava o desagrado e a suspeição de algumas pessoas: mais exactamente daquelas que possuíam um automóvel, que, refira-se, eram muito poucas. Na origem estavam editais da Câmara colocados pela cidade que avisavam os proprietários de veículos automóveis de que deveriam obrigatoriamente manifestá-los na respectiva Secretaria. 

A medida não era de modo algum arbitrária como se entende, e visava um objectivo concreto: a possibilidade de requisição das viaturas particulares para prestarem serviço público, nomeadamente ao serviço do Exército, no transporte de tropas, situação que se viria a verificar algumas vezes, especialmente quando ocorriam "manobras militares". Nesse tempo também o Exército não possuía frota automóvel suficiente para movimentar efectivos militares.

Certa ocasião, estando a tratar de assuntos pessoais numa secretaria do Batalhão de Caçadores 2 da Covilhã, presenciei, a meu lado, um sujeito bem vestido e com o seu “chapéu à diplomata” na mão, a vir dar conhecimento aos militares dessa repartição militar, que a (supostamente demorada) reparação do seu automóvel, tinha sido concluída e que portanto (implicitamente) a viatura estaria disponível perante o Exército. 

Ele saiu a seguir, mas eu fiquei ainda o tempo suficiente para ouvir o comentário que dois dos militares da repartição trocaram: - “Sacana, Judeu! Veio agora dizer que o carro já estava reparado, quando soube que as “manobras” (para as quais o carro podia ter sido requisitado) já acabaram. Assim, não só resguardou habilidosamente o automóvel, como, ao vir aqui agora, livra-se da multa em que incorria!”

Um anúncio colocado no Notícias da Covilhã dá conhecimento de que se vendem “teares manuais de maquineta e lisos, devidamente contingentados”. Este "contingentados" esclareça-se, tem a ver com a legislação de condicionamento industrial em vigor, a qual tornava possível a quem adquirisse os alvará de 2 teares manuais, pedir o seu abate e instalar em seu lugar um tear mecânico. Assim iam passando os dias na Covilhã.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Um Banco sem Dinheiro


Nada nos garante que o presidente da Câmara da Covilhã, Dr. Francisco Henriques da Silva, ao discursar em 1925, por ocasião da abertura da delegação do Banco de Portugal na rua Ruy Faleiro, intimamente pensasse que aquele não era propriamente o momento mais adequado para o evento. Mas teria muita razão. 

A beleza arquitectónica do edifício parecia querer mostrar para o exterior uma grandiosidade que estava bem longe de ter correspondência na solidez monetária e financeira do Banco e, por arrastamento, de toda a economia portuguesa. As reservas do Banco de Portugal eram, na altura, das mais baixas de toda a Europa. As fugas de capitais para o estrangeiro atingiam valores de hecatombe. 

É no meio de mais uma grave crise financeira, a que os portugueses já estavam habituados embora não conformados, que surge a descoberta da  grande burla do Banco de Angola e Moçambique. Alves dos Reis e seus cúmplices conseguiram que a própria casa impressora das notas de banco portuguesas lhes fabricasse duplicados das notas de 500 escudos. Notas falsas inundam o mercado. Desconhece-se o montante falsificado, que, segundo algumas fontes seria de 200 mil notas; mas a situação financeira portuguesa, de tão mal estar, pouco ou nada foi afectada.

A situação de penúria nacional é tal que em Lisboa, o Governador Civil pede ao Automóvel Clube de Portugal que contribua para a aquisição das fardas e dos capacetes especiais dos 90 polícias de trânsito...

Nalgumas casernas da tropa, velhos oficiais generais afiavam as respectivas espadas prevendo que iriam ter de usá-las, enquanto ainda havia um país…

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

E a Guerra Aqui Tão Perto...

A Emissora Nacional deu a notícia logo às primeiras horas daquele dia de Junho de 1940: «Paris tinha sido ocupada pelos Alemães!»

No grupo de pessoas que habitualmente ia à loja do Romano comprar o jornal e aí ficava a comentar a actualidade, a opinião era unânime: - «os exércitos de Hitler estavam imparáveis, e a ocupação da restante Europa ocidental, mera questão de tempo e de estratégia político-militar».
Alguém acrescentou a informação, ouvida na noite anterior na BBC, de que as poderosas Divisões Panzer estariam já concentradas nos Pirinéus aguardando instruções para executar a Operação Felix - a ocupação da Península Ibérica. Sentia-se medo no ar.

Em Lisboa, o Conselho de Ministros reunido em S.Bento, avaliava, preocupado a situação internacional: a França estava reduzida a um terço do seu território depois da instalação em Vichy de um governo francês colaborante com o invasor alemão e, em consequência do recente encontro de Hitler com Franco em Hendaya, na fronteira franco-espanhola, temia-se uma aproximação entre a Espanha e a Alemanha. A agressividade contra Portugal, da imprensa espanhola afecta à “Falange” de Franco,
já não pressagiava nada de bom.

Salazar e a diplomacia portuguesa, jogam com uma habilidade que teria por recompensa final, o mantimento do país fora do cenário da guerra, com o estatuto de país neutral e não beligerante. Ainda assim, saber-se-ia depois que, na pior das hipóteses, o Governo tinha um plano de contingência, pronto para ser executado e que passava, entre outras medidas, por se transferir para os Açores, se necessário.

Enquanto isso, os escaparates das livrarias exibiam o grande sucesso literário do momento: o livro de Arthur Koestler, “O Zero e o Infinito”: uma crítica contundente ao despotismo estalinista, que valeu ao autor a inimizade dos escritores Jean-Paul Sartre e Albert Camus.
Era também um livro que marcaria toda uma geração de comunistas – Partido ao qual o autor, um judeu húngaro que abandonara o seu país para escapar a um «pogrom» anti-semita - chegou a pertencer até 1938.
Koestler, viveu então um longo e acidentado percurso, com uma participação na Guerra Civil espanhola e uma passagem pela Legião estrangeira (esta para evitar uma deportação para Leste), até encontrar refúgio em Inglaterra.

A frase-chave de “O Zero e o Infinito”, ficaria para sempre a pairar sobre a “realidade negra” do chamado socialismo científico: - “O Partido nunca se engana, camarada. Tu e eu podemos enganar-nos. Mas não o Partido. O Partido é alguma coisa mais do que tu e eu e que mil outros como tu e eu. O Partido é a incarnação da ideia revolucionária na História”.

“O Zero e o Infinito”, é um desses livros que ultrapassam a sua época. Não é apenas um retrato de uma nação e seu sistema político, mas também, um “close-up” dramático sobre o estalinismo e os Processos de Moscovo.

Numa mesa à entrada no Café Central comentava-se elogiosamente a recente abertura da Exposição do Mundo Português, na Praça do Império em Lisboa, que algumas pessoas do grupo já tinham visitado e por isso a recomendavam aos outros. Na altura, nenhum deles o poderia saber, mas ter-se-iam de esperar quase 70 anos para que um evento de
dimensão semelhante, a Expo 98, tivesse lugar em Portugal.